Alice?

Alice?
Alice?!? Acorde! Este não é o país das maravilhas, você precisa acordar, já são quase 6h, você está atrasada! – Alice conseguia ouvir em sua cabeça como se o próprio coelho branco a tentasse acordar, mas era apenas o alarme de seu celular tocando freneticamente. Definitivamente aquele não era o país das maravilhas, mas o coelho, ou melhor, o relógio estava certo, ela tinha que acordar levantar e começar o seu dia. Alice preparou seu desjejum e sentou-se a mesa do seu apartamento vazio e solitário, onde nem mesmo o Sol ousava lhe fazer companhia diante de um espaço tão limitado e fechado que não lhe cabia nem ver a cor do céu, fitando a sua xícara de café Alice se pegou viajando outra vez, imaginando como seria ter um Chapeleiro maluco com quem dividir a mesa para o café ou quem sabe um chá, quem sabe dividir a vida... Alice foi outra vez arrastada de volta à realidade quando o alarme do seu telefone tocou (eu sei que você deve estar pensando “mas o alarme já havia tocado”, sim, havia mesmo, porém ela usava dezenas de alarmes, é tudo meio que cronometrado, sabe? Foi a melhor forma que ela encontrou digamos de “administrar seu tempo”). Alice suspirou, e enquanto desligava o alarme sussurrou: é coelho eu já entendi, não há tempo! Tomou o resto do café em um único gole e saiu correndo até a parada de ônibus mais próxima.
Sair porta afora era como cair no próprio buraco da toca do coelho, tinha sempre um mundo novo e desconhecido surgindo diante dos seus pés, não, não havia flores gigantes pelo caminho e as casas também não havia trocado de lugares nem tão pouco estavam invertidas, “de ponta a cabeça”, mas o céu estava sempre numa cor diferente, as pessoas que avistava na rua eram sempre desconhecidos, e por diversas vezes ela se encontrava tão perdida como a própria Alice no país das maravilhas, ela seguia seus passos por ruas estreitas, às vezes completamente vazias, como se estivesse acabado de ser tele transportada para o meio do deserto, o calor e o risco de perigo eminente a faziam caminhar rapidamente olhando para todos os lados, o que parecia tornar o caminho mais longo e agonizante, sua única certeza nesse novo lugar era que o coelho estava por aí, e que ele iria aparecer para lembrá-la de correr contra o tempo. Por vezes Alice se deparou com pessoas que poderiam facilmente ser associadas ao gato risonho, pessoas que sorriam para ela, bancavam as carismáticas, fingiam querer ajudar, mas apenas queriam  deixa-la mais confusa e perdida. E a confusão na cabeça de Alice a fazia chorar, tanto, que por vezes a mesma se pegava questionando e observando – ah Alice, pare! Para que choras tanto, você não deveria chorar. Então voltava ao controle da situação, enxugava as lágrimas e seguia em frente, por sorte conseguira chegar a tempo de pegar o ônibus, o que a fez sorrir e agradecer pela primeira vez no dia, a segunda foi logo após quando diante da superlotação do ônibus uma senhora que estava sentada se prontificou a ajuda-la com os volumes que carregava; Alice ficou feliz, parece que o dia estava começando bem, ela só precisava pegar o segundo ônibus a tempo de não chegar atrasada, afinal ela não queria que sua chefinha lhe cortasse a cabeça, ou pior, o salário. Alice consegue embarcar no segundo ônibus, e este já se encontra mais vazio o que lhe permite sentar, descansar, observar a cidade pela janela do ônibus e refletir.
 É incrível como a janela de um ônibus te faz pensar, como a presença de muitos faz você se sentir só, e como o movimentar-se mesmo estando parado te faz perceber como as coisas passam, mudam. A cor do céu, as nuvens, a vegetação, o nível do rio, e as outras pessoas, as pessoas encontram-se em sua grande maioria isoladas no seu próprio carro, no seu próprio apartamento, na sua própria bolha. Enchendo as ruas de carros, em sua maioria apenas com os motoristas, motoristas que disputam entre si o direito de seguir primeiro, de tomar a frente dos demais, sempre muito preocupados com o tempo que se perde no trânsito, com o que ainda há por se fazer naquele dia. Olha-se muito para as obrigações, para os trabalhos e se esquece de olhar para o lado, de enxergar o outro, e muitas vezes até a si mesmo. Ao olhar de novo para dentro do ônibus Alice se depara com um número maior de passageiros, consegue observar algumas pessoas usando o tempo da viagem para conversar, alguns falando com parentes pelo telefone, outros mantendo uma conversa mais intima sobre acontecimentos da vida e citando personagens que parecem comuns a ambos, o que leva a deduzir que são velhos conhecidos se encontrando; observa-se também a estudante com uma vasilha de doces para vender na faculdade, o moço que entrou com cara de cansado, encostou-se ao primeiro canto e começou a dormir ali, em pé mesmo; tem gente conversando sobre politica, falando de economia e até reclamando de professor; também há aqueles que geralmente sentam no fundo e se ocupam de reclamar do motorista, seja porque o ônibus está muito cheio, muito rápido, muito devagar ou não parou onde ele queria, e aqueles que usam o tempo para ler, ouvir música e/ou observar o em torno como a Alice. Sobe gente, desce gente, e nesse vai e vem chegam àqueles que entram sem boa intenção, que se passam por passageiros se misturam e começam um assalto na primeira oportunidade, então o terror da situação silencia o ambiente e a diversidade das conversas cede lugar ao barulho do motor e ameaças de morte.
O medo e a tristeza tornam-se comuns nas faces presentes, mesmo depois que eles já se foram, se foram, mas levaram um pouco de cada um, um pouco do dinheiro, dos bens materiais, da alegria, da coragem e o pior, levaram um pouco da esperança na humanidade. Em alguns o sentimento de gratidão por continuar vivo, em uns a culpa de perder o celular caro que o pai ainda não pagou nem metade das parcelas, em muitos tristeza e revolta, e entre estes aqueles que decidiram de algum modo ter seu próprio carro a fim de evitar passar por esta circunstância de novo e contribuindo para o aumento de automóveis “vazios” na rua e de pessoas “fechadas”. Alice ficou paralisada, e logo depois ainda mais pensativa, ela se deu conta que a capital quanto cidade grande habitava muita diversidade, o alto, o baixo, o magro, o gordo, o novo, o velho, o professor, o aluno... o bem e o mal. E aparentemente o que todos buscam é sobreviver, alguns com maior conforto, outros com maior fortuna e alguns apenas com mais segurança; no fim das contas o meio para todos é o dinheiro, então o tempo da vida é gasto estudando, trabalhando, correndo atrás de segurança, se trancando em um apartamento de um condomínio e alimentando em si a convicção de que estar preso é estar seguro. Que se fechar para o mundo é a melhor forma de não se machucar com ele, é o jeito mais fácil de sobreviver e o mais difícil de viver. Aos poucos os amigos são deixados de lado, não há tempo para a família, nem para os hobbies e/ou esportes. A vida se resume a produzir e sobreviver. Alice que até agora pensava consigo mesmo, analisando a situação do povo da cidade enxuga a última lágrima que escorria pela sua face e adentra no seu ambiente de trabalho, afinal ela ainda tinha obrigações a cumprir. Ela ainda tinha uma carreira a zelar, porque no fundo Alice também queria segurança.
Depois de um longo dia de trabalho ela retorna para casa cansada, com fome e se sentindo pequena diante da imensidão das coisas que a cercava. Então prepara sua refeição, toma seus remédios, um banho longo e vai para a cama dizendo a si mesma que foi apenas um dia ruim e que amanhã será um dia melhor. Talvez, assim como a Alice do conto ela havia apenas adormecido e sonhado, talvez aquela visão do lugar não fosse real. Alice adormeceu ansiando acordar e se deparar com um lugar melhor.


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